quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Hé 16 anos conheci um cara. Muito legal. Alegre, com o ar suave que as pessoas nos seus melhores anos têm. Ele fazia um monte de coisas ao mesmo tempo, tinha muitos amigos e experimentava a maioria das coisas que passavam pela sua frente. Acho que era um poeta, ou um músico, ou um artista, um pouco louco e um pouco médico...

Era uma pessoa querida, muitos o conheciam, muitas pessoas o respeitavam. Nas festas, muitas vezes fazia os convidados rirem tornando-se uma espécie de mímico-mágico-palhaço que despertava o espírito escondido de cada ser tímido. Eu mesmo, das muitas vezes que com ele me deparei, ria comigo com as suas palhaçadas, caras e bocas. Achava seria alguém que não levava a vida muito a sério.

Hoje tenho certeza que não.

Certa vez, ouvi dizer que ele ficou pendurado pelos pés num edifício, outra, disseram que ele andara pelo lado externo de um predio no auge de uma festa. Em outra oportunidade, ele foi de Belo Horizonte ao Rio de Janeiro de carro e voltou no mesmo dia, dirigindo! Uma outra vez deu suas botas a uma pessoa pobre que dormia numa calçada sem sapatos. Dormiu inúmeras vezes na rua, pegou ônibus só para conhecer seu itinerario completo, entrou em festas de penetra, muitas vezes fingiu-se de rico e muitas outras de pobre, pegou carona com desconhecidos centenas de vezes, entrou como penetra em infinitas festas, conheceu e bebeu com dezenas de mendigos em sua cidade, conheceu mulheres por apenas uma noite assim como filósofos de grande eloquência e importância. Viajou às mais variadas cidades e das mais diversas formas, foi às melhores mansões e aos mais pobres barracos, sempre bem acompanhado, bem recebido, amigável e feliz.

Mas um dia esse cara se perdeu. Um dia paramos de ter notícias dele. Perdeu-se na noite dos tempos. Não ouvimos mais seu nome, não escutamos mais sua voz. Agora o que sabíamos é que ele havia-se perdido. Sumiu no mundo, como costumávamos dizer.

Mas eu sei onde ele esteve. Ele sempre soube. Sempre mantive contato mesmo que por poucas novas suas. Mesmo quando ele desapareceu, sem eu mesmo querer, tinha vagas notícias dele. Muitas vezes recebia notícias através da internet sobre pessoas que o tinham visto perambulando pela cidade em ônibus vermelhos vestindo roupas brancas de noite e roupas pretas de dia. Às vezes, chovendo, ele era visto sem guarda-chuvas andando calmamente pelas faixas de pedestres e outras, correndo apressado de roupas longas, gorros e casacos pesados em dias de sol. Soube que uma vez ficou parado num sinal vendo o trânsito de uma grande avenida até o sol se pôr. Outra vez ficou esperando um ônibus em um ponto no centro da cidade que nunca chagara. Uma vez, eu vi com meus próprios olhos cuando ele passava pela rua Paraná, cabisbaixo, magro e triste, como um morto-vivo sem rosto nem sombra. Procurava moedas para comer, soube tempos depois.

Certa ocasião um amigo me telefonou dizendo que ele estava em um restaurante barato da zona pobre do centro da cidade. Ao chagar lá, constatei que ele havia deixado o lugar sem pelo menos deixar gorjeta. Em sua mesa, restos de farinha com feijão, uma garrafa d'água pela metade e uma barata pequena que cruzava o pano pobre de mesa. Algumas pessoas me contaram, certo dia, que ele tivera um grave acidente e que haviam-no visto ao chão, sangue em seu corpo, chuva no rosto, cantando melodias enquanto esperava por algum socorro.

Hoje, quando olho pra ele, só vejo um homem cansado, velho, que luta por viver os últimos dias que lhe restam em paz. Fazendo o que ele nunca fez, sustentando-se com o que nunca teve, vivendo do que ele poderia haver sido se o destino e suas desisões não o tivessem levado tão longe do seu real desejo, da sua real vontade que sempre foi uma e única; viver.

"Mas ele viveu tanto" ouvi dizer. Viveu. Viveu sim. Mas viveu o quê? Uma vida de mentiras, de contos, fantasias, devaneios e falsas ilusões ou uma vida rica em aventuras e conhecimento das ruas, parques, avenidas, praças, mulheres, festas, melodias?

Eu me pergunto se alguma vez ele viveu,
ou se ele viveu alguma vez na vida...

Hoje, quando eu fico olhando pra ele sei que não há mais volta e o que viveu não dasaparecerá jamais. Faça o que ele fizer. Não importa o que diga pense ou faça; nada voltará a ser como há dezesseis anos.
Faça o que fizer, diga o que disser. Isso não importa mais...

Sem título

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